O recente aumento unilateral das tarifas de importação por parte dos Estados Unidos, imposto pelo presidente Donald Trump — com alíquota saltando de 10% para 50% sobre diversos produtos brasileiros, incluindo móveis — acendeu o alerta máximo no setor moveleiro de Santa Catarina, especialmente em São Bento do Sul. A cidade, que desde 2015 lidera o ranking nacional de exportação de móveis, pode ver sua principal base econômica ruir se não houver uma solução urgente.
Com 27,6% de toda a exportação
brasileira de móveis e colchões tendo os EUA como destino em 2024, a medida
americana atinge o coração de São Bento do Sul. Apenas no último ano, a cidade
movimentou US$ 81,9 milhões em exportações, sendo US$ 45,5 milhões destinados
ao mercado norte-americano. França, Reino Unido e Holanda vêm em seguida na
lista de compradores, mas nenhum tem o peso estratégico dos Estados Unidos para
o setor.
Agora, há relatos de contêineres
que permanecem parados nos portos, negociações suspensas e uma crescente
incerteza entre empresários, sindicatos e trabalhadores. Caso o impasse
continue, há risco real de demissões em massa. Para uma região cuja economia
gira em torno da indústria moveleira — com importantes cidades vizinhas como
Campo Alegre e Rio Negrinho também figurando entre os maiores exportadores do
país — o impacto pode ser devastador.
Repetição de um trauma antigo
A crise atual traz à memória um
cenário sombrio vivido pela região no início dos anos 2000, quando a
valorização cambial do real frente ao dólar, combinada com a crise financeira
internacional de 2008, levou várias indústrias ao fechamento. A alta do dólar e
a queda na competitividade global fizeram com que São Bento do Sul, até então
referência incontestável no setor, perdesse espaço e empregos. Muitas empresas
não resistiram. A crise forçou uma reestruturação do setor, que levou anos para
recuperar sua posição no mercado internacional.
Agora, o temor é que o tarifaço
de Trump provoque um efeito semelhante. A alta tarifária imposta sem aviso
prévio compromete contratos já firmados, quebra a previsibilidade do comércio
internacional e ameaça a estabilidade de uma cadeia produtiva que gera milhares
de empregos diretos e indiretos na região.
Reação do setor
Entidades representativas do
setor se mobilizam em Brasília e no exterior. A Associação Brasileira das
Indústrias do Mobiliário (Abimóvel), que já participou de diversas reuniões
emergenciais, pleiteia junto ao governo brasileiro a abertura de canais de negociação
com os Estados Unidos. A entidade propõe o adiamento da tarifa por pelo menos
90 dias, a fim de garantir tempo de adequação e evitar um colapso logístico e
financeiro no setor.
Segundo a Abimóvel, a medida impacta diretamente a competitividade dos móveis brasileiros frente a concorrentes como a China, que possui tarifas menores. Em nota oficial, o presidente da entidade, Irineu Munhoz, alertou: “A elevação expressiva, unilateral e repentina da tarifa afeta contratos e relações comerciais já estabelecidas, comprometendo empregos e investimentos em diversas regiões do país. É essencial restabelecer o equilíbrio e a previsibilidade nas relações comerciais", mencionou o presidente em uma das reuniões na semana passada.
A Associação Brasileira da
Indústria de Colchões (Abicol) também se manifestou. O presidente da entidade,
Luciano Raduan Dias, destacou os possíveis impactos da medida, inclusive para a
cadeia de fornecimento e produção local. Ele reforçou a necessidade de
planejamento rigoroso por parte das empresas e recomendou prudência nas
decisões estratégicas nos próximos meses.
Um futuro incerto
Em um momento em que a economia
brasileira tenta se estabilizar, o tarifaço de Trump surge como um golpe
inesperado em um dos setores mais tradicionais e internacionalizados da
indústria nacional. A cadeia produtiva moveleira de São Bento do Sul, que enfrentou
e sobreviveu à crise da década passada, mais uma vez é colocada à prova.
Com contêineres parados,
contratos suspensos e um clima de apreensão nos parques industriais da região,
empresários, trabalhadores e autoridades aguardam ansiosamente por uma saída
diplomática que evite o pior: demissões em massa, fechamento de fábricas e a
perda de protagonismo no mercado internacional.
A esperança agora está na
diplomacia — e na resiliência histórica de um polo que, apesar das
adversidades, nunca deixou de produzir móveis que conquistam o mundo.